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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O VALOR DA IGNORÂNCIA


A ignorância – ou, se preferirem, a consciência de nossa própria ignorância - não nos é dada gratuitamente; a ignorância tem um preço. Não a ganhamos, a conquistamos. E com trabalho, com muito trabalho. Como tudo o mais que tem algum valor na vida, também a obtenção da ignorância exige esforço, paciência e dedicação. Pois ocorre que nos é muito mais natural crer do que duvidar. Nossa tendência é crer que as coisas de fato sejam como elas de início nos parecem ser. A dúvida acerca dessa aparência primeira pode surgir de diversos modos, e um desses modos é o modo filosófico. Neste caso, se trata de um esforço deliberado e metódico para colocar em questão as aparências. E este esforço não é fácil nem é simples.
É possível colocar em dúvida mesmo aquelas verdades mais evidentes e aparentemente inegáveis. Pensem, por exemplo, no gênio maligno de René Descartes – na suposição de que poderia existir uma criatura supremamente poderosa e malévola que tivesse por objetivo nos enganar inclusive a respeito daquelas coisas que nos parecem mais obviamente verdadeiras (o supercomputador do filme Matrix pode ser tomado como uma versão contemporânea de tal criatura). Não raro, essa singular hipótese é tomada por uma simples brincadeira filosófica. Mas ela é muito mais do que isto: ela é uma alegoria de certas conseqüências dos limites e da natureza de nosso conhecimento. Quem comete este equívoco talvez ignore que a invenção de uma tal criatura pretende pavimentar o caminho da dúvida através de uma imagem sugestiva. E isto porque a dúvida, e em particular, a dúvida sobre fatos que nos parecem óbvios – fatos sobre a nossa própria existência, por exemplo –, não é gerada sem que empreendamos um diligente esforço para tanto. E o exercício da dúvida é o instrumento indispensável que nos permite eliminar os fragmentos de pseudo-conhecimento reunidos ao longo dos anos que atulham nossa mente. É o exercício da dúvida que nos permite alcançar a ignorância.
Parte considerável dos esforços dos filósofos, portanto, é dedicada à tarefa de obter essa autêntica ignorância. Pois a fonte do pseudo-conhecimento é a pseudo-ignorância. A pseudo-ignorância é o resultado da tentativa insuficiente e fracassada em eliminar as crenças irracionais que se acumulam em nosso espírito. Diante desse fracasso, continuamos a sustentar idéias infundadas e a guiar nossas ações com base em pontos de vista que, ao fim e ao cabo, não têm sustentação racional. E tudo isto porque desde o início falhamos na tarefa de desmascarar nossa própria ignorância.
Enfim, o valor da ignorância é extraordinário. Defrontar a autêntica ignorância, único terreno sobre o qual o autêntico conhecimento pode ser erigido, é um empreendimento indispensável e virtualmente interminável. O mundo nos oferece constantemente idéias enganosas das quais precisamos nos depurar e essa depuração não é um trabalho do qual possamos dar conta sem esforço e método. Ter constantemente presente a necessidade deste trabalho e lembrar aos demais disto com uma persistência que beire a provocação – como o fazia o próprio Sócrates – pode ser uma boa maneira de se começar a filosofar.